Marketing Sustentável – mito urbano ou a exigência de um paradigma assente na redução do consumo.

A Sustentabilidade é um dos temas que tem marcado a agenda nos mais diversos domínios, incluindo o Marketing. As questões relativas à Sustentabilidade devem ser encaradas de forma holística (Ambiente, Economia, Social, Processos, etc) e não se limitar à ideia redundante da Sustentabilidade Ambiental – por muito premente que a causa da sobrevivência do Planeta e, com esta, a nossa própria sobrevivência se apresente.

O Marketing tem naturalmente seguido estas preocupações, até porque a sobrevivência é uma das necessidades básicas na pirâmide de Maslow, pelo que a sua ameaça põe em causa todas as camadas de necessidades superiores que, no fundo, são onde encontramos as oportunidades para desnatar a economia de lazer.

Importa, pois, levar estas questões a sério, até para não cair das ratoeiras do Greenwashing.

Os vários isolamentos impostos pela pandemia derivada da COVID19 provaram que os consumidores “sobrevivem” consumindo menos e que essa redução de consumo se traduz num impacte ambiental positivo, por exemplo por via da redução da utilização de transportes. Mas este impacte pode ser muito mais significativo, faltando ainda dados sobre outros aspetos, como por exemplo a redução do desperdício de produtos, a redução da utilização de embalagens, etc.

Neste contexto, foi angustiante ver alguns Marketers anteciparem – com sofreguidão – uma onda de “consumo de vingança” esperada para o período pós-pandémico… que, grosso modo, não se veio a verificar – em parte devido à crise entretanto despoletada pela invasão da Ucrânia e à crise económica que daí se tem vindo a desenrolar. (A recuperação do turismo em Portugal, por exemplo, surge como uma notícia em aparente contraciclo face a esta conjuntura negativa.)

Enfrentamos um cenário em que a Economia não cresce por fatores inesperados, a inflação dispara por pressão do lado oferta, os desafios sociais agudizam-se também nos países ditos desenvolvidos e, ao mesmo tempo, o Planeta esperaria que deste caldo de notícias negativas pudesse sair uma redução do consumo, beneficiando a sua (e a nossa) saúde. Mas as políticas económicas dominantes apontam precisamente no sentido contrário, privilegiando medidas de incentivo ao crescimento económico, em detrimento à sobrevivência do Planeta, incluindo a recuperação de fontes de energia fóssil já abandonadas. Neste contexto tem sido interessante observar até as dificuldades que a maioria dos estados têm demonstrado para impor redução de velocidades máximas nas estradas com o objetivo de reduzir o consumo de combustíveis.

O tal Marketing Sustentável pode ter um papel importante nesta dinâmica, se as marcas e empresas perceberem que têm de ir mais longe na transformação dos seus paradigmas de gestão, apostando em valores mais altos do que as taxas de crescimento de vendas, receitas ou rentabilidades.

O verdadeiro espírito de Sustentabilidade exige um equilíbrio, difícil é certo, entre estes diferentes fatores, mas que obviamente devem sempre subordinar-se à necessidade mais básica da nossa sobrevivência coletiva.

O Marketing Sustentável tem de privilegiar a Redução, face à Reutilização e à Reciclagem.

Até a União Europeia já percebeu esta necessidade preparando-se, por exemplo, para impor ao setor das embalagens já não apenas metas de reciclagem e valorização, mas também metas de redução das quantidades colocadas anualmente no mercado.

Vemos igualmente algumas marcas de vestuário que, nas suas mensagens publicitárias, apelam claramente à redução do consumo, argumentando com a qualidade do seu produto.

Falta, pois, mudar o mindset do consumidor para um novo paradigma socio-económico baseado necessariamente na redução indispensável para promover uma genuína sustentabilidade de nosso modo de vida.

O papel do Marketing é fundamental na produção das alterações comportamentais que se impõem. Uma mudança que carece da alteração do mindset dos próprios gestores e da filosofia do crescimento contínuo que marca o nosso sistema de mercado.

Não devemos permitir que o Marketing transforme o desafio da Sustentabilidade em apenas mais um conteúdo conjuntural para construir narrativas que promovam a aceitabilidade de continuarmos a consumir cada vez mais.

Até porque “consumir” é sinónimo de “fazer desaparecer, gastar, devorar ou destruir”.

PS: a publicação deste artigo no dia em que se alerta para o consumo excessivo de antibióticos é um mero acaso… mais um exemplo como o consumo em excesso ameaça a nossa sobrevivência.

Luís Nunes
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